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Autismo – Direitos reconhecidos a partir da jurisprudência

A proteção jurídica das pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) no Brasil tem sido ampliada não apenas por meio de legislação específica, como a Lei Berenice Piana (Lei nº 12.764/2012), mas também mediante a consolidação de entendimentos jurisprudenciais dos tribunais superiores. Tais decisões, ao interpretarem princípios constitucionais como a dignidade da pessoa humana e a igualdade material, garantem direitos essenciais que transcendem o texto literal das leis, assegurando maior inclusão e suporte às famílias.

Um exemplo emblemático é o Tema 1.097 do Supremo Tribunal Federal (STF), que estendeu o direito à redução de jornada de trabalho para servidores públicos federais com filhos autistas, independentemente da idade da criança ou adolescente. Originalmente, o benefício previsto no art. 98 da Lei nº 8.112/1990 aplicava-se apenas a pais de crianças com deficiência até três anos de idade. Contudo, o STF reconheceu que as necessidades decorrentes do autismo persistem além dessa fase, exigindo adaptações laborais contínuas para garantir o cuidado adequado. Esse entendimento, por sua natureza vinculante, reflete-se também em decisões favoráveis a servidores estaduais e municipais, com base no princípio da isonomia.

No âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ), destacam-se decisões que asseguram terapias multidisciplinares ilimitadas, incluindo modalidades como equoterapia, musicoterapia e hidroterapia, mesmo quando não expressamente listadas em planos de saúde ou políticas públicas. O tribunal fundamenta-se no direito à saúde integral (art. 196 da CF/88) e na Lei nº 12.764, que prevê atendimento prioritário e interdisciplinar. Recentemente, o STJ também consolidou o entendimento de que o custeio de profissionais de apoio escolar (como acompanhantes terapêuticos) é obrigação do Estado, independentemente de comprovação de incapacidade total do aluno, bastando a necessidade específica decorrente do TEA.

Outro avanço significativo ocorre no âmbito penal: o STJ tem admitido a substituição do regime prisional fechado ou semiaberto por domiciliar quando o réu ou seu cônjuge é responsável por pessoa com autismo. Nesses casos, reconhece-se que a privação de liberdade do genitor pode agravar a condição de vulnerabilidade do dependente, violando o princípio da proporcionalidade da pena.

Ademais, tribunais regionais têm aplicado esses precedentes para garantir isenção de tarifas em transporte interestadual (como no caso de autistas com hipersensibilidade que necessitam de assentos específicos), prioridade em processos judiciais (em conformidade com a Lei nº 13.146/2015) e adaptações em concursos públicos, como tempo adicional para realização de provas.

Essa construção jurisprudencial evidencia um diálogo entre o Judiciário e as demandas sociais, reforçando que os direitos das pessoas com autismo não se limitam a dispositivos legais esparsos, mas derivam de uma interpretação sistemática da Constituição. A efetividade dessas garantias, contudo, ainda depende da disseminação do conhecimento jurídico entre famílias e profissionais, bem como da atuação estratégica do Ministério Público e da Defensoria Pública para combater a resistência de entes privados e governamentais.

Em síntese, a jurisprudência brasileira tem sido um instrumento vital para transformar normas gerais em direitos concretos, assegurando que as particularidades do autismo sejam atendidas em suas múltiplas dimensões: trabalho, saúde, educação e família.

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