A exposição desmedida a dispositivos eletrônicos, como smartphones, tablets e televisões, tem se tornado uma preocupação crescente entre especialistas em desenvolvimento infantil, especialmente quando se trata de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA). O acesso irrestrito a esses aparelhos, frequentemente utilizado como recurso para acalmar ou distrair as crianças, pode acarretar uma série de prejuízos ao desenvolvimento cognitivo, emocional e social. Além disso, há evidências de que o uso excessivo de telas pode, em alguns casos, mimetizar sintomas do autismo, dificultando diagnósticos precisos e retardando intervenções essenciais.
O neuropediatra Dr. Clay Brites, do Instituto Neurosaber, explica que as telas superestimulam o sistema dopaminérgico, responsável pelas sensações de prazer e recompensa, mantendo a criança em um estado constante de hiperestimulação. Esse processo não só eleva os níveis de cortisol e adrenalina — hormônios associados ao estresse — como também prejudica a capacidade de autorregulação emocional, algo que já é um desafio para crianças no espectro autista. A Dra. Susan George, pesquisadora da Universidade de Toronto, reforça que essa exposição contínua a estímulos rápidos e fragmentados pode levar a um aumento significativo da ansiedade e a dificuldades em reduzir o estado de alerta, tornando ainda mais complexo o gerenciamento das emoções.
Outro aspecto preocupante é o impacto das telas no sono. O Dr. Matthew Walker, neurocientista da Universidade da Califórnia em Berkeley, demonstrou em seus estudos que a luz azul emitida por esses dispositivos suprime a produção de melatonina, hormônio essencial para a regulação do ciclo sono-vigília. Para crianças com autismo, que já enfrentam desafios relacionados ao sono, esse efeito pode ser ainda mais prejudicial, comprometendo não apenas o descanso, mas também processos cognitivos fundamentais para o aprendizado e a consolidação da memória.
No campo das interações sociais, o uso excessivo de telas apresenta riscos ainda mais graves. A psicóloga Dra. Deborah Moss, da Universidade de São Paulo (USP), alerta que a exposição prolongada a dispositivos eletrônicos reduz oportunidades de interação social genuína, substituindo momentos essenciais para o desenvolvimento de habilidades como reconhecimento de expressões faciais, interpretação de tons de voz e reciprocidade emocional — competências que já são naturalmente mais difíceis para crianças com autismo. Além disso, a substituição de atividades manuais e criativas pelo simples toque na tela pode retardar o desenvolvimento da motricidade fina, essencial para tarefas como a escrita. O Dr. Eduardo Bustamante, da Universidade de Illinois, observou em um estudo longitudinal que crianças que passam mais tempo em frente a telas apresentam maior dificuldade em atividades que exigem coordenação motora refinada, o que pode impactar seu desempenho escolar e autonomia no dia a dia.
Um dos aspectos mais alarmantes, porém, é a possibilidade de que o uso abusivo de telas mascare sintomas do autismo ou até mesmo induza comportamentos semelhantes aos do espectro, sem que a criança necessariamente tenha o transtorno. O psiquiatra francês Dr. Anne-Lise Ducanda cunhou o termo “autismo virtual” para descrever casos em que crianças expostas a longas horas de tela desenvolvem atrasos de linguagem, isolamento social e dificuldades de comunicação que imitam características do TEA. Esses sintomas, embora possam ser reversíveis com a redução do tempo de exposição, muitas vezes levam a diagnósticos equivocados ou tardios, privando a criança de intervenções precoces que poderiam fazer toda a diferença em seu desenvolvimento.
Diante desses riscos, é fundamental que pais e cuidadores adotem medidas para equilibrar o uso de tecnologia com atividades que promovam um desenvolvimento saudável. A Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda que crianças menores de dois anos não sejam expostas a telas e que, a partir dessa idade, o uso seja limitado a no máximo uma hora por dia, sempre com supervisão. Priorizar brincadeiras ao ar livre, leitura de livros físicos e interações sociais presenciais são estratégias eficazes para estimular o desenvolvimento integral da criança. Além disso, é crucial estar atento a sinais de alerta, como irritabilidade excessiva ao se desligar os dispositivos, perda de interesse por outras formas de brincadeira ou regressão em habilidades já adquiridas.
Em um mundo cada vez mais digital, é compreensível que os dispositivos eletrônicos façam parte da rotina infantil. No entanto, como alerta o Dr. Dimitri Christakis, da Academia Americana de Pediatria, “telas são como açúcar para o cérebro em desenvolvimento — quanto mais se consome, mais difícil fica apreciar nutrientes essenciais”. Para crianças com autismo, cujos cérebros processam informações de maneira única, o equilíbrio no uso de tecnologia não é apenas recomendável, mas indispensável para garantir que seu potencial seja plenamente desenvolvido. A moderação e a conscientização hoje podem definir um futuro de maior autonomia, bem-estar e qualidade de vida para essas crianças.